Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Advogado
O Governo Federal, nos últimos meses, se envolveu em inúmeras ações contraditórias que se estendem desde concessões de licenças ambientais antes negadas a obras de enorme significância estratégica até a cisões estruturais absolutamente inócuas, como a criação do Instituto Chico Mendes em desfavor do corpo funcional do IBAMA. Isso como reação às pressões da sociedade civil e também do setor econômico brasileiro, que vivem, ainda, um gargalo burocrático não solucionado, em que pesem os esforços anunciados.
Vale dizer, o Governo tem apenas reagido paliativamente à pressão na ponta do funil das demandas ambientais na nossa economia, sem, no entanto, adotar medidas estruturais, visando solução do problema. Há falta de clareza nos rumos de nossa política ambiental, seja pelo fato do Ministério do Meio Ambiente, até agora, não se impor no cenário estratégico administrado pelo núcleo do executivo federal, seja pela chefia do Governo Federal estar insegura quanto ao efetivo papel da variável ambiental no planejamento de suas políticas, planos e programas.
Tamanha indefinição reflete-se na devida obediência às regras legais, por parte dos órgãos de planejamento de políticas de Governo, que não definem o “como proceder” e o “como interpretar”, necessários à condução dos projetos de interesse estrutural do País. A omissão expõe os servidores encarregados de implementar obras e projetos de impacto ambiental, o IBAMA, as agências de controle ambiental estaduais e autoridades municipais a pressões de toda ordem, por não se ter orientação segura no entendimento da nossa legislação ambiental.
O IBAMA, por exemplo, sofre constante pressão para licenciar obras antes autorizadas por órgãos estaduais. Municípios encontram dificuldade de assumir sua competência constitucional para fiscalizar e licenciar empreendimentos, vitimados por conflitos com autoridades estaduais e com o IBAMA. Em reação à celeuma apontada, surge uma campanha, conduzida por setores do Ministério Público, e admitida por parcela do Judiciário, para federalizar conflitos de licenciamento, como se essa reação não desgastasse mais ainda as bases estruturais de nosso sistema de controle ambiental.
Tudo isso acontece por falta de uma Lei complementar que ponha fim a esses desentendimentos quanto a normas de cooperação entre entes federados, vácuo legal que fragiliza o atual SISNAMA e faz surgir posições radicalizadas quanto à aplicação da norma constitucional.
No bojo do próprio SISNAMA, a par de suas fragilidades estruturais, contraditoriamente, identificamos atividade normativa frenética no CONAMA e em vários órgãos regulamentadores setoriais e regionais, síndrome comportamental que configura verdadeira “febre legisferante”, resultando na edição aleatória e cartorial de portarias, circulares e resoluções de validade jurídica questionável, eficácia duvidosa e efetividade risível. Nesse campo, observamos perigosa inversão do princípio da reserva legal constitucional. Vale dizer: para os organismos de gestão pública ambiental, tudo é permitido quando não há proibição expressa na Lei...
Sob o ponto de vista psicológico-gerencial, é fácil diagnosticar que o sistema público de gestão ambiental está “compensando” sua frustração por não conseguir impedir a degradação, com um tsunami de medidas normativas puramente emocionais.
Essas medidas se traduzem em mais papel, mais burocracia, mais ineficiência; no entanto, criam um horizonte formal, fictício, que maquia a dura realidade que nossos gestores ambientais, por não poderem resolvê-la, negam-se a ver. Em resumo: vivemos uma sublimação oficial com efeitos burocráticos. Sob o manto da “precaução”, por exemplo, estamos construindo um ambiente normativo e comportamental público, que conspira contra a continuidade do Estado Democrático de Direito.
É preciso uma revisão absoluta da Legislação Ambiental Brasileira, pois a atual não atende à demanda ambiental nacional, por não respeitar as diferenças regionais e o regime federativo constitucional. Da mesma forma, porém de forma articulada, é necessário revisar o sistema erigido nessa mesma base legal.
Um exemplo dessa dissonância é a existência, ainda de um único Código Florestal que, por óbvias razões cronológicas e ideológicas, não guarda mais qualquer correspondência com o que se espera de uma norma geral federal, nos termos de nossa Constituição; Código esse emendado, remendado e deformado, que muitos ainda pretendem tornar válido para os mais diversos biomas, geomorfologias sócio-geográficas regionais, florestas urbanas e remanescentes incrustados em municípios conurbados, conturbados ou isolados de nosso território-continente...
Pior ainda: grande parte das molas-mestras da gestão ambiental brasileira está, hoje, sendo construída por meras resoluções do CONAMA, que, difuso quanto à sua composição política ou técnica, peca pela falta de qualidade científica, pela pouca representatividade e, não raro, revela em muitas de suas decisões ordinárias, falta de compromisso técnico com os próprios órgãos governamentais que deveria conduzir (muitas vezes por apego ideológico a ideais doutrinários invocados em clima de assembléia estudantil, ou em manobras procrastinatórias ocasionais e apaixonadas que muito lembram momentos mesquinhos de nossos tradicionais parlamentos).
Urge que façamos uma reforma estrutural que comece pela base de nosso edifício normativo. Seria necessário estabelecer normas de cooperação entre os entes federados, como determina o Artigo 23 da Constituição Federal, posto que a matéria ambiental é de competência administrativa comum a todos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Deveríamos, ainda, estabelecer regras que delineassem e diferenciassem norma geral de norma específica, de maneira a não se confundir, por exemplo, limites e metragens de faixas de preservação, índices de concentração de poluentes e de qualidade ambiental, que podem emanar de normas setoriais, estaduais e mesmo municipais, com os institutos nos quais eles se originam, matéria que compete ao âmbito das normas gerais federais.
Nesse emaranhado legal em vigor, devemos reconhecer que o que ainda se salva é o esqueleto original da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/81), os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e a Lei de Crimes Ambientais (devidamente moldada pela jurisprudência). Os problemas advindos da aplicação da legislação ambiental se devem menos a essas Leis e mais às indefinições e conflitos originados das demais regras baixadas nos últimos trinta anos.
Patente que devemos somar esforços para consolidar tudo isso, ou iniciar um corajoso esforço de revisão e reforma legislativa, de forma sistemática. A última tentativa de fazer uma consolidação de leis ambientais foi há 13 anos, por meio de uma iniciativa do Presidente Collor de Mello. Na ocasião, a Ordem dos Advogados do Brasil organizou uma Comissão Interdisciplinar, que tive a honra de presidir em parceria com o Promotor de Justiça Paulista Antonio Herman Benjamim, que formulou uma proposta de consolidação de Leis, com aproximadamente 400 Artigos, enviada à Presidência da República às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO’92).
Outra proposta de uma Lei Complementar instituindo uma nova Política Nacional Meio Ambiente, contendo as desejadas normas de cooperação, foi apresentada também ao Governo Federal no ano de 1992, resultado de um trabalho intensivo de uma Comissão Especial do CONSEMA (Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo), Comissão a qual também tive a honra de presidir, como representante da Ordem dos Advogados do Brasil naquele colegiado.
Em 1993, foi elaborada e apresentada uma nova proposta, batizada de “Código Nacional de Meio Ambiente” e produzida por uma comissão oficial de juristas e técnicos, presidida pelo então Secretário de Estado do Meio Ambiente, Edis Milaré, Comissão nomeada por Decreto do Governador do Estado de São Paulo com o apoio do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Essa Comissão, que tive a honra de também integrar, elaborou uma proposta em parte inspirada nos documentos anteriormente citados (conforme reconheciam os considerandos do Decreto Estadual que a criou). O resultado, no entanto, foi dos mais profícuos; embora o Governo Federal de então não tenha adotado a proposta como um Projeto de Lei.
No decorrer dos anos seguintes do “Código Nacional de Meio Ambiente” foram destacados capítulos, que acabaram por constituir diplomas legais autônomos hoje em vigor – exemplo maior é a própria Lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais e Infrações Administrativas contra o Meio Ambiente.
Recentemente, a Consolidação das Leis Ambientais foi encaminhada como Projeto de Lei pelo Deputado Federal Bonifácio Andrada (PSDB/MG), e, atualmente, encontra-se em análise no Congresso Nacional. O conteúdo do PL e a oportunidade do processo legislativo são suficientes para fazer uma legislação enxuta e excelente. O esforço para uma consolidação, ou uma revisão legislativa eficaz e corajosa, portanto, urge!
O grande embaraço, que impede a reformulação de nossa legislação ambiental, encontra-se na previsível reação dos setores retrógrados do movimento ambientalista e dos tecno-burocratas encastelados no Poder Público, que preferem manter os entraves burocráticos ao risco de perder poder ou ver a norma flexibilizada em uma reforma que lhes tolha o poder. Quanto mais tempo o Brasil adiar a reformulação da legislação ambiental, maior será o prejuízo para a economia e para o Estado Democrático de Direito.
Advogado
O Governo Federal, nos últimos meses, se envolveu em inúmeras ações contraditórias que se estendem desde concessões de licenças ambientais antes negadas a obras de enorme significância estratégica até a cisões estruturais absolutamente inócuas, como a criação do Instituto Chico Mendes em desfavor do corpo funcional do IBAMA. Isso como reação às pressões da sociedade civil e também do setor econômico brasileiro, que vivem, ainda, um gargalo burocrático não solucionado, em que pesem os esforços anunciados.
Vale dizer, o Governo tem apenas reagido paliativamente à pressão na ponta do funil das demandas ambientais na nossa economia, sem, no entanto, adotar medidas estruturais, visando solução do problema. Há falta de clareza nos rumos de nossa política ambiental, seja pelo fato do Ministério do Meio Ambiente, até agora, não se impor no cenário estratégico administrado pelo núcleo do executivo federal, seja pela chefia do Governo Federal estar insegura quanto ao efetivo papel da variável ambiental no planejamento de suas políticas, planos e programas.
Tamanha indefinição reflete-se na devida obediência às regras legais, por parte dos órgãos de planejamento de políticas de Governo, que não definem o “como proceder” e o “como interpretar”, necessários à condução dos projetos de interesse estrutural do País. A omissão expõe os servidores encarregados de implementar obras e projetos de impacto ambiental, o IBAMA, as agências de controle ambiental estaduais e autoridades municipais a pressões de toda ordem, por não se ter orientação segura no entendimento da nossa legislação ambiental.
O IBAMA, por exemplo, sofre constante pressão para licenciar obras antes autorizadas por órgãos estaduais. Municípios encontram dificuldade de assumir sua competência constitucional para fiscalizar e licenciar empreendimentos, vitimados por conflitos com autoridades estaduais e com o IBAMA. Em reação à celeuma apontada, surge uma campanha, conduzida por setores do Ministério Público, e admitida por parcela do Judiciário, para federalizar conflitos de licenciamento, como se essa reação não desgastasse mais ainda as bases estruturais de nosso sistema de controle ambiental.
Tudo isso acontece por falta de uma Lei complementar que ponha fim a esses desentendimentos quanto a normas de cooperação entre entes federados, vácuo legal que fragiliza o atual SISNAMA e faz surgir posições radicalizadas quanto à aplicação da norma constitucional.
No bojo do próprio SISNAMA, a par de suas fragilidades estruturais, contraditoriamente, identificamos atividade normativa frenética no CONAMA e em vários órgãos regulamentadores setoriais e regionais, síndrome comportamental que configura verdadeira “febre legisferante”, resultando na edição aleatória e cartorial de portarias, circulares e resoluções de validade jurídica questionável, eficácia duvidosa e efetividade risível. Nesse campo, observamos perigosa inversão do princípio da reserva legal constitucional. Vale dizer: para os organismos de gestão pública ambiental, tudo é permitido quando não há proibição expressa na Lei...
Sob o ponto de vista psicológico-gerencial, é fácil diagnosticar que o sistema público de gestão ambiental está “compensando” sua frustração por não conseguir impedir a degradação, com um tsunami de medidas normativas puramente emocionais.
Essas medidas se traduzem em mais papel, mais burocracia, mais ineficiência; no entanto, criam um horizonte formal, fictício, que maquia a dura realidade que nossos gestores ambientais, por não poderem resolvê-la, negam-se a ver. Em resumo: vivemos uma sublimação oficial com efeitos burocráticos. Sob o manto da “precaução”, por exemplo, estamos construindo um ambiente normativo e comportamental público, que conspira contra a continuidade do Estado Democrático de Direito.
É preciso uma revisão absoluta da Legislação Ambiental Brasileira, pois a atual não atende à demanda ambiental nacional, por não respeitar as diferenças regionais e o regime federativo constitucional. Da mesma forma, porém de forma articulada, é necessário revisar o sistema erigido nessa mesma base legal.
Um exemplo dessa dissonância é a existência, ainda de um único Código Florestal que, por óbvias razões cronológicas e ideológicas, não guarda mais qualquer correspondência com o que se espera de uma norma geral federal, nos termos de nossa Constituição; Código esse emendado, remendado e deformado, que muitos ainda pretendem tornar válido para os mais diversos biomas, geomorfologias sócio-geográficas regionais, florestas urbanas e remanescentes incrustados em municípios conurbados, conturbados ou isolados de nosso território-continente...
Pior ainda: grande parte das molas-mestras da gestão ambiental brasileira está, hoje, sendo construída por meras resoluções do CONAMA, que, difuso quanto à sua composição política ou técnica, peca pela falta de qualidade científica, pela pouca representatividade e, não raro, revela em muitas de suas decisões ordinárias, falta de compromisso técnico com os próprios órgãos governamentais que deveria conduzir (muitas vezes por apego ideológico a ideais doutrinários invocados em clima de assembléia estudantil, ou em manobras procrastinatórias ocasionais e apaixonadas que muito lembram momentos mesquinhos de nossos tradicionais parlamentos).
Urge que façamos uma reforma estrutural que comece pela base de nosso edifício normativo. Seria necessário estabelecer normas de cooperação entre os entes federados, como determina o Artigo 23 da Constituição Federal, posto que a matéria ambiental é de competência administrativa comum a todos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Deveríamos, ainda, estabelecer regras que delineassem e diferenciassem norma geral de norma específica, de maneira a não se confundir, por exemplo, limites e metragens de faixas de preservação, índices de concentração de poluentes e de qualidade ambiental, que podem emanar de normas setoriais, estaduais e mesmo municipais, com os institutos nos quais eles se originam, matéria que compete ao âmbito das normas gerais federais.
Nesse emaranhado legal em vigor, devemos reconhecer que o que ainda se salva é o esqueleto original da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/81), os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e a Lei de Crimes Ambientais (devidamente moldada pela jurisprudência). Os problemas advindos da aplicação da legislação ambiental se devem menos a essas Leis e mais às indefinições e conflitos originados das demais regras baixadas nos últimos trinta anos.
Patente que devemos somar esforços para consolidar tudo isso, ou iniciar um corajoso esforço de revisão e reforma legislativa, de forma sistemática. A última tentativa de fazer uma consolidação de leis ambientais foi há 13 anos, por meio de uma iniciativa do Presidente Collor de Mello. Na ocasião, a Ordem dos Advogados do Brasil organizou uma Comissão Interdisciplinar, que tive a honra de presidir em parceria com o Promotor de Justiça Paulista Antonio Herman Benjamim, que formulou uma proposta de consolidação de Leis, com aproximadamente 400 Artigos, enviada à Presidência da República às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO’92).
Outra proposta de uma Lei Complementar instituindo uma nova Política Nacional Meio Ambiente, contendo as desejadas normas de cooperação, foi apresentada também ao Governo Federal no ano de 1992, resultado de um trabalho intensivo de uma Comissão Especial do CONSEMA (Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo), Comissão a qual também tive a honra de presidir, como representante da Ordem dos Advogados do Brasil naquele colegiado.
Em 1993, foi elaborada e apresentada uma nova proposta, batizada de “Código Nacional de Meio Ambiente” e produzida por uma comissão oficial de juristas e técnicos, presidida pelo então Secretário de Estado do Meio Ambiente, Edis Milaré, Comissão nomeada por Decreto do Governador do Estado de São Paulo com o apoio do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Essa Comissão, que tive a honra de também integrar, elaborou uma proposta em parte inspirada nos documentos anteriormente citados (conforme reconheciam os considerandos do Decreto Estadual que a criou). O resultado, no entanto, foi dos mais profícuos; embora o Governo Federal de então não tenha adotado a proposta como um Projeto de Lei.
No decorrer dos anos seguintes do “Código Nacional de Meio Ambiente” foram destacados capítulos, que acabaram por constituir diplomas legais autônomos hoje em vigor – exemplo maior é a própria Lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais e Infrações Administrativas contra o Meio Ambiente.
Recentemente, a Consolidação das Leis Ambientais foi encaminhada como Projeto de Lei pelo Deputado Federal Bonifácio Andrada (PSDB/MG), e, atualmente, encontra-se em análise no Congresso Nacional. O conteúdo do PL e a oportunidade do processo legislativo são suficientes para fazer uma legislação enxuta e excelente. O esforço para uma consolidação, ou uma revisão legislativa eficaz e corajosa, portanto, urge!
O grande embaraço, que impede a reformulação de nossa legislação ambiental, encontra-se na previsível reação dos setores retrógrados do movimento ambientalista e dos tecno-burocratas encastelados no Poder Público, que preferem manter os entraves burocráticos ao risco de perder poder ou ver a norma flexibilizada em uma reforma que lhes tolha o poder. Quanto mais tempo o Brasil adiar a reformulação da legislação ambiental, maior será o prejuízo para a economia e para o Estado Democrático de Direito.
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