domingo, 27 de setembro de 2009

Contra a crise, executivo ex-comunista pede 'espiritualidade' de empresários

Sílvio Guedes Crespo



Em São Paulo


Boris Tabacof, filho de imigrantes russos que chegaram ao país na década de 1920, já foi comunista de carteirinha —filiou-se ao PCB nas décadas de 1940 e 1950, o que inclui um período de atuação clandestina. Mais tarde, tornou-se superintendente do grupo financeiro Safra, diretor do Grupo Suzano e presidente do antigo Banespa, para citar algumas de suas passagens pela cúpula de grandes companhias.

Mas foi depois da atual crise econômica internacional que ele resolveu reunir sua experiência de vida —acumulada desde os tempos de militância política até a atual condição de conselheiro de grandes companhias— no livro "Espírito de Empresário", lançado na semana passada pela editora Gente.

Com o livro, ele cobra de seus colegas empresários uma mudança de atitude, sem a qual a crise retornará "daqui a pouco", como ele diz. Não basta a imposição de controles ou de regulação dos mercados. Na sua avaliação, os empresários precisam, de forma voluntária, abrir mão da busca do "lucro a qualquer preço" e da "competição desvairada". Leia entrevista concedida ao UOL.



UOL - Quais são os valores que todo empresário deve ter?


Boris Tabacof - Alguns valores têm sido bastante discutidos. Estão relacionados à responsabilidade social, à relação das empresas para com os seus empregados, com o meio ambiente, com a comunidade onde ela atua.


Neste livro eu procuro fazer uma síntese além desses aspectos. Eu incluo a questão dos valores espirituais. Não se trata de condições religiosas. Eu considero que nós estamos inseridos num universo que tem uma inteligência suprema e uma sabedoria divina. Essa visão cria uma responsabilidade de ordem moral de alcance quase ilimitado.

Não é possível que quando passa o momento mais agudo dessa gravíssima crise, depois de tantas dificuldades e sacrifícios, a gente volte às mesmas coisas de sempre: ambição desenfreada e falta completa de qualquer critério de ordem moral. É necessário que se comece a pensar em outro nível de responsabilidade moral.

UOL - O que deveria mudar depois dessa crise?



Tabacof - Deve ser posto um nível de controle à questão do 'lucro a qualquer preço', que infelizmente fica patente na ação dos mercados financeiros.


Deve haver uma modificação interna: uma convicção de que nós, empresários, temos uma responsabilidade maior, e isso deve se refletir no negócio — por exemplo, na relação da empresa com seus empregados.


Essa expressão "recursos humanos", para mim, significa que as empresas têm máquinas, terras, construções, capital... e seres humanos, como um recurso que pode ser substituído ou desprezado sem qualquer consideração, porque ele não passa de mais um recurso.


Em vez disso, temos que nos lembrar de que estamos tratando com gente. Isso é um dever moral, e ainda aumenta muito a eficiência da empresa. Você já imaginou dezenas, centenas ou milhares de pessoas engajadas numa atividade empresarial, que vibram positivamente? Você imagina o resultado concreto disso, em termos de produtividade?


UOL - Essa mudança de pensamento já está ocorrendo?


Tabacof - Já existe um embrião disso em algumas empresas, e por coincidência elas são muito bem-sucedidas.



UOL - Quais são essas empresas?



Tabacof - Eu poderia citar a Natura, que já é quase um padrão na forma como se relaciona com recursos da natureza e na forma com que se refere ao seu pessoal. A própria Companhia Suzano, de cujo Conselho de Administração eu sou vice-presidente, começa a caminhar nessa direção.

É um processo lento porque nós temos que mudar, inclusive, a forma como a gente reage à competição. A competição entre as empresas não pode ter um jeito canibalesco, de competir a qualquer preço a ponto de causar uma destruição de ordem moral e de recursos diversos.

Essa submissão completa ao que se chama mercado, especialmente o mercado financeiro — essa ambição desvairada, em que é preciso superar o outro de qualquer maneira, a qualquer preço — já começa a encontrar resistência.

Não é só uma questão de inventar recursos de controle e regulação, que são, aliás, necessários, mas é também uma atitude voluntária que depende muito de quem está no comando. Essas pessoas devem dar o exemplo pessoal de delimitar essa ambição.

Há um caso chocante que há poucos dias os jornais noticiaram, de que 23 empregados ou ex-empregados da France Telecom se suicidaram. Um exemplo impactante e dramático do estrago humano causado por essas crises amorais, em que se coloca o ganho acima de qualquer outro valor.

Agora, trata-se de reconstruir o Brasil e toda a economia mundial com base nesses novos valores, senão tudo isso, daqui a pouco, volta.


UOL - Mas o lucro não vai ser, sempre, a meta suprema de toda empresa?






Tabacof - Eu só não subscrevo a sua expressão "suprema". O lucro é o objetivo precípuo da empresa. Só que ele vai ter parâmetros de ordem moral.


De início, o meu espaço para avançar e progredir tem o limite no mesmo espaço do meu próximo. Isso pode parecer idealista e utópico, mas é uma meta que tem que ser colocada. É um processo lento, histórico, de mudança de atitude. O estrago é tão grande, nessa ambição e nessa disputa que eu tenho visto, que vai fazer com que a gente reflita.

Uma empresa humana, que tem valores, que coloca limites, por exemplo, diante da questão ambiental, da sua relação com a comunidade e com seus empregados, ela é mais rentável, mais produtiva.


O sucesso do lucro não é uma questão só de vender o máximo que pode e baixar ao mínimo o seu custo. Isso é parte do quadro, mas tem um limite, senão se torna um traço autodestrutivo. A empresa que tem espírito fraternal, até onde é possível, certamente terá melhor lucro.

Já existem investidores que preferem empresas que têm consciência social porque acreditam que essas empresas acabarão por prevalecer. Em última análise, num processo que pode demorar algum tempo, o valor lucro vai também ser medido por outros valores.


UOL - Como fica o conceito de sucesso profissional nesse contexto?

Tabacof - Já se nota, em várias empresas e instituições, que aquele profissional ambicioso, que pisa onde precisa e em quem precisa para galgar posições mais altas, começa a ter menos acesso às empresas.

Aqueles dirigentes que são humanos na forma de comandar, que entendem que não estão lidando com objetos, fazem uma carreira mais positiva e alcançam as primeiras posições.

Eu não posso mais imaginar, por exemplo, dirigentes de empresas que não respeitam as dificuldades e obstáculos das pessoas que o cercam e não consideram as necessidades humanas de seus subordinados. Mas essa mudança está em processo, eu não vou dizer que já é uma realidade completa.

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