25 de setembro de 2009
Fonte: Valor Econômico
Senhores do tempo
Um imponente edifício de vidros verdes chama atenção próximo à sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça. Na recepção, um painel na parede exibe a temperatura de 26º C, quente para os padrões após o verão - e dá pistas sobre o ofício do lugar. Construído com critérios ambientais para aproveitar a luz solar e aumentar a eficiência energética, o prédio da Organização Meteorológica Mundial (WMO, em inglês) é o quartel general das previsões sobre o clima global e seus impactos. Quem trabalha naquelas salas domina os gráficos, mapas e cifrões que baseiam as decisões sobre o futuro do planeta. Mudanças na matriz energética, investimentos na economia de baixo carbono e adaptação das empresas e dos países para os efeitos do aquecimento dependem, em primeira instância, dos sinais de alerta e dos comandos que partem daquele prédio.
Pelo menos US$ 500 bilhões, segundo as estimativas do mercado, vão circular por ano no mundo para reinventar a economia. "Investir agora em informação climática é o melhor caminho para garantir à atual e às futuras gerações a capacidade de gerir riscos e perceber as oportunidades das mudanças no clima", afirma o russo Alexander Bedritsky, presidente da WMO, em sua sala no oitavo andar do edifício. Ex-chefe do Serviço Federal de Hidrologia e Vigilância Ambiental da Rússia, Bedritsky mudou os rumos da área climática naquele país em tempos de reforma econômica. Hábil nas negociações dos acordos internacionais, prepara-se agora para a batalha a ser travada em dezembro na COP-15, em Copenhague, que vai definir regras internacionais para reduzir as emissões de gases do efeito-estufa.
"Estou otimista", revela o indiano Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), criado há 21 anos pela ONU para fornecer ao mundo uma visão científica clara sobre as alterações climáticas. O relatório divulgado pela entidade em 2007 confirmou cientificamente a suspeita: o planeta está em aquecimento como resultado das atividades do homem, com efeitos que podem ser catastróficos. "É certo que o tempo é muito curto, mas o acordo virá no último minuto", prevê Pachauri, lembrando que "o Protocolo de Kyoto não foi observado pelos países desenvolvidos". Grandes emissores de carbono, como os Estados Unidos, não assinaram o acordo.
Especializado em energia, Pachauri começou a carreira produzindo locomotivas a diesel, na Índia. Hoje prega alternativas para evitar as emissões e, ao comandar um time sênior que observa as mudanças no clima, frequenta os corredores da WMO, onde funciona o escritório central do IPCC. No oitavo andar, doze funcionários coordenam o trabalho de 2.500 cientistas de todo o mundo. O consultor científico Masaya Aiba iniciou os preparativos para o próximo relatório sobre o clima global, aguardado com expectativa para 2014, quando provavelmente já vão estar em curso novas políticas e mecanismos que podem ser criadas em Copenhague.
Na sala ao lado, Brenda Abrar-Milani tem a tarefa de gerir € 1 milhão do Prêmio Nobel da Paz, recebido pelo IPCC em 2007. Metade será aplicada em cursos de PHD na Europa para cientistas de países pobres, para capacitá-los a prever mudanças e enfrentar os impactos do clima em suas regiões. "A iniciativa privada entrará com mais € 500 mil para ampliar o programa", revela Brenda, sentada à mesa na cafeteria situada no terraço do prédio, com vista para o Lago de Genebra e para o edifício-sede da ONU com seus extensos jardins. "Importantes decisões sobre o clima são tomadas olhando para esse cenário."
Entre as mais recentes está a criação de uma rede mundial de serviços climáticos, debatida na 3º Conferência Mundial sobre Clima, realizada pela WMO em Genebra, de 31 de agosto a 4 de setembro, com participação de 20 chefes de Estado e representantes de 150 países. O objetivo da rede é melhorar a vigilância do clima e a adaptação para os efeitos do aquecimento, criando produtos e serviços específicos para os diferentes setores econômicos nas diversas regiões do planeta.
"Apesar dos avanços científicos, a economia e a população não estão preparadas, e precisamos nos mover rápido, porque os impactos estão chegando e os desastres já são evidentes", adverte o meteorologista Michel Jarraud, que chefiou o sistema europeu de previsões climáticas e desde 2004 é secretário geral da WMO. "As indústrias querem respostas mais precisas e seguras", diz. Na análise de Jarraud, a informação sobre clima precisa ser integrada aos processos de decisão e planejamento de investimentos de longo prazo.
Depois que o IPCC divulgou em 2007 seu quarto relatório, comprovando que a temperatura do planeta aumentou em torno de 0,8º C desde o início da era industrial, as bases científicas para acompanhar essas mudanças e seus efeitos evoluíram muito. "Mas ainda há lacunas e incertezas", explica Roberta Bosccolo, da WMO. Ela coordena o programa mundial para unificar metodologias, integrar os dados regionais e criar um modelo único de previsão climática. "Não há dúvida que o planeta como um todo está mais quente, mas sabemos pouco sobre o aquecimento e seus impactos em nível regional", afirma. Setores como energia, agricultura, transportes e turismo aguardam previsões mais precisas para tomar decisões. A meta é fazer projeções seguras para cada dez anos. "A investigação é chave para saber com clareza o que acontecerá com as economias dos países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, essenciais para o controle do clima global", afirma Roberta, física especializada no estudo sobre a influência dos oceanos no clima.
"A produção agrícola depende do que acontece nos oceanos", diz Mannava Sivakumar, diretor da Divisão Mundial de Aplicações e Serviços Climáticos do WMO. A relação entre correntes marinhas e atmosfera, explica, é chave nos novos modelos para melhorar as previsões climáticas. "Apesar de as tecnologias estarem melhor documentadas, o seu uso está longe do ideal em muitos países", lamenta. Pesquisadores dos principais centros mundiais de observação do clima unem esforços para superar limites. Hoje, as previsões de chuva ou sol precisam ir além do que se vê todo dia na TV. "Erros são agora problemas cruciais", diz Tim Palmer, do Centro Europeu de Previsões Climáticas. "Precisamos de boas observações e computadores em massa." Para Jeray Meehl, do National Center for Atmospheric Research, dos Estados Unidos, "os atuais modelos climáticos não são capazes de atender às necessidades mundiais até 2100". O aquecimento, segundo ele, impõe uma nova era: a dos serviços climáticos. Trata-se da previsão sobre clima focada na mitigação e na adaptação às mudanças. "O desafio é traçar cenários com maior precisão para os próximos 30 anos, incluindo o ciclo de carbono nas previsões", revela Meehl.
No sétimo andar o edifício do WMO, o moçambicano Felipe Lucio guarda nas paredes da sala as fotos da enchente que matou 700 pessoas e causou prejuízo de US$ 500 milhões, em 2000, em Moçambique. Na época, ele comandava a área de meteorologia naquele país e montou um rigoroso sistema de alerta para a catástrofe não se repetir. Hoje Lucio trabalha no programa global de redução de desastres, orientando os países a criar leis e adotar tecnologias para tomar decisões rápidas contra inundações e outros efeitos extremos do aquecimento. "As mudanças no clima alteram o cenário de riscos, pois os eventos extremos se tornam mais intensos e frequentes, mas falta muito por fazer nos países em desenvolvimento", afirma. Ele lembra que cada US$ 1 investido na prevenção de desastres ambientais representa uma economia de US$ 8 a US$ 10 no custo das ações de emergência.
Quando o assunto é aquecimento global, o mundo descobriu que precisa falar a mesma língua. A questão é complexa. "É preciso traduzir um problema mundial para as realidades locais", ressalta Somesewhar Singh, da Cruz Verde Internacional. "Um terço da população mundial vive na pobreza e não tem respostas sobre o que acontecerá com ela", diz. Para Jean Fabre, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a falta de informação é um abismo perigoso: "Estamos falando de garantir condições de vida para as futuras gerações".
Com trânsito livre nos escritórios da WMO, Gro Harlem Brundtland - a ex-primeira-ministra da Noruega que presidiu em 1987 a Comissão Brundtland, produzindo o primeiro e mais famoso relatório da ONU sobre a relação entre desenvolvimento econômico e conservação do ambiente - propõe a criação imediata de um sistema para coleta de dados sobre clima em longo prazo e um mecanismo de alerta prévio. "Agora sabemos que, mesmo se conseguirmos conter e reduzir as emissões de gases, o clima vai continuar mudando e também nós precisaremos mudar para nos adaptar a um clima mais instável".
O repórter viajou a convite da rede global de jornalistas Media 21.
Por Sérgio Adeodato, para o Valor, de Genebra
25/09/2009
Fonte: Valor Econômico
Senhores do tempo
Um imponente edifício de vidros verdes chama atenção próximo à sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça. Na recepção, um painel na parede exibe a temperatura de 26º C, quente para os padrões após o verão - e dá pistas sobre o ofício do lugar. Construído com critérios ambientais para aproveitar a luz solar e aumentar a eficiência energética, o prédio da Organização Meteorológica Mundial (WMO, em inglês) é o quartel general das previsões sobre o clima global e seus impactos. Quem trabalha naquelas salas domina os gráficos, mapas e cifrões que baseiam as decisões sobre o futuro do planeta. Mudanças na matriz energética, investimentos na economia de baixo carbono e adaptação das empresas e dos países para os efeitos do aquecimento dependem, em primeira instância, dos sinais de alerta e dos comandos que partem daquele prédio.
Pelo menos US$ 500 bilhões, segundo as estimativas do mercado, vão circular por ano no mundo para reinventar a economia. "Investir agora em informação climática é o melhor caminho para garantir à atual e às futuras gerações a capacidade de gerir riscos e perceber as oportunidades das mudanças no clima", afirma o russo Alexander Bedritsky, presidente da WMO, em sua sala no oitavo andar do edifício. Ex-chefe do Serviço Federal de Hidrologia e Vigilância Ambiental da Rússia, Bedritsky mudou os rumos da área climática naquele país em tempos de reforma econômica. Hábil nas negociações dos acordos internacionais, prepara-se agora para a batalha a ser travada em dezembro na COP-15, em Copenhague, que vai definir regras internacionais para reduzir as emissões de gases do efeito-estufa.
"Estou otimista", revela o indiano Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), criado há 21 anos pela ONU para fornecer ao mundo uma visão científica clara sobre as alterações climáticas. O relatório divulgado pela entidade em 2007 confirmou cientificamente a suspeita: o planeta está em aquecimento como resultado das atividades do homem, com efeitos que podem ser catastróficos. "É certo que o tempo é muito curto, mas o acordo virá no último minuto", prevê Pachauri, lembrando que "o Protocolo de Kyoto não foi observado pelos países desenvolvidos". Grandes emissores de carbono, como os Estados Unidos, não assinaram o acordo.
Especializado em energia, Pachauri começou a carreira produzindo locomotivas a diesel, na Índia. Hoje prega alternativas para evitar as emissões e, ao comandar um time sênior que observa as mudanças no clima, frequenta os corredores da WMO, onde funciona o escritório central do IPCC. No oitavo andar, doze funcionários coordenam o trabalho de 2.500 cientistas de todo o mundo. O consultor científico Masaya Aiba iniciou os preparativos para o próximo relatório sobre o clima global, aguardado com expectativa para 2014, quando provavelmente já vão estar em curso novas políticas e mecanismos que podem ser criadas em Copenhague.
Na sala ao lado, Brenda Abrar-Milani tem a tarefa de gerir € 1 milhão do Prêmio Nobel da Paz, recebido pelo IPCC em 2007. Metade será aplicada em cursos de PHD na Europa para cientistas de países pobres, para capacitá-los a prever mudanças e enfrentar os impactos do clima em suas regiões. "A iniciativa privada entrará com mais € 500 mil para ampliar o programa", revela Brenda, sentada à mesa na cafeteria situada no terraço do prédio, com vista para o Lago de Genebra e para o edifício-sede da ONU com seus extensos jardins. "Importantes decisões sobre o clima são tomadas olhando para esse cenário."
Entre as mais recentes está a criação de uma rede mundial de serviços climáticos, debatida na 3º Conferência Mundial sobre Clima, realizada pela WMO em Genebra, de 31 de agosto a 4 de setembro, com participação de 20 chefes de Estado e representantes de 150 países. O objetivo da rede é melhorar a vigilância do clima e a adaptação para os efeitos do aquecimento, criando produtos e serviços específicos para os diferentes setores econômicos nas diversas regiões do planeta.
"Apesar dos avanços científicos, a economia e a população não estão preparadas, e precisamos nos mover rápido, porque os impactos estão chegando e os desastres já são evidentes", adverte o meteorologista Michel Jarraud, que chefiou o sistema europeu de previsões climáticas e desde 2004 é secretário geral da WMO. "As indústrias querem respostas mais precisas e seguras", diz. Na análise de Jarraud, a informação sobre clima precisa ser integrada aos processos de decisão e planejamento de investimentos de longo prazo.
Depois que o IPCC divulgou em 2007 seu quarto relatório, comprovando que a temperatura do planeta aumentou em torno de 0,8º C desde o início da era industrial, as bases científicas para acompanhar essas mudanças e seus efeitos evoluíram muito. "Mas ainda há lacunas e incertezas", explica Roberta Bosccolo, da WMO. Ela coordena o programa mundial para unificar metodologias, integrar os dados regionais e criar um modelo único de previsão climática. "Não há dúvida que o planeta como um todo está mais quente, mas sabemos pouco sobre o aquecimento e seus impactos em nível regional", afirma. Setores como energia, agricultura, transportes e turismo aguardam previsões mais precisas para tomar decisões. A meta é fazer projeções seguras para cada dez anos. "A investigação é chave para saber com clareza o que acontecerá com as economias dos países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, essenciais para o controle do clima global", afirma Roberta, física especializada no estudo sobre a influência dos oceanos no clima.
"A produção agrícola depende do que acontece nos oceanos", diz Mannava Sivakumar, diretor da Divisão Mundial de Aplicações e Serviços Climáticos do WMO. A relação entre correntes marinhas e atmosfera, explica, é chave nos novos modelos para melhorar as previsões climáticas. "Apesar de as tecnologias estarem melhor documentadas, o seu uso está longe do ideal em muitos países", lamenta. Pesquisadores dos principais centros mundiais de observação do clima unem esforços para superar limites. Hoje, as previsões de chuva ou sol precisam ir além do que se vê todo dia na TV. "Erros são agora problemas cruciais", diz Tim Palmer, do Centro Europeu de Previsões Climáticas. "Precisamos de boas observações e computadores em massa." Para Jeray Meehl, do National Center for Atmospheric Research, dos Estados Unidos, "os atuais modelos climáticos não são capazes de atender às necessidades mundiais até 2100". O aquecimento, segundo ele, impõe uma nova era: a dos serviços climáticos. Trata-se da previsão sobre clima focada na mitigação e na adaptação às mudanças. "O desafio é traçar cenários com maior precisão para os próximos 30 anos, incluindo o ciclo de carbono nas previsões", revela Meehl.
No sétimo andar o edifício do WMO, o moçambicano Felipe Lucio guarda nas paredes da sala as fotos da enchente que matou 700 pessoas e causou prejuízo de US$ 500 milhões, em 2000, em Moçambique. Na época, ele comandava a área de meteorologia naquele país e montou um rigoroso sistema de alerta para a catástrofe não se repetir. Hoje Lucio trabalha no programa global de redução de desastres, orientando os países a criar leis e adotar tecnologias para tomar decisões rápidas contra inundações e outros efeitos extremos do aquecimento. "As mudanças no clima alteram o cenário de riscos, pois os eventos extremos se tornam mais intensos e frequentes, mas falta muito por fazer nos países em desenvolvimento", afirma. Ele lembra que cada US$ 1 investido na prevenção de desastres ambientais representa uma economia de US$ 8 a US$ 10 no custo das ações de emergência.
Quando o assunto é aquecimento global, o mundo descobriu que precisa falar a mesma língua. A questão é complexa. "É preciso traduzir um problema mundial para as realidades locais", ressalta Somesewhar Singh, da Cruz Verde Internacional. "Um terço da população mundial vive na pobreza e não tem respostas sobre o que acontecerá com ela", diz. Para Jean Fabre, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a falta de informação é um abismo perigoso: "Estamos falando de garantir condições de vida para as futuras gerações".
Com trânsito livre nos escritórios da WMO, Gro Harlem Brundtland - a ex-primeira-ministra da Noruega que presidiu em 1987 a Comissão Brundtland, produzindo o primeiro e mais famoso relatório da ONU sobre a relação entre desenvolvimento econômico e conservação do ambiente - propõe a criação imediata de um sistema para coleta de dados sobre clima em longo prazo e um mecanismo de alerta prévio. "Agora sabemos que, mesmo se conseguirmos conter e reduzir as emissões de gases, o clima vai continuar mudando e também nós precisaremos mudar para nos adaptar a um clima mais instável".
O repórter viajou a convite da rede global de jornalistas Media 21.
Por Sérgio Adeodato, para o Valor, de Genebra
25/09/2009
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