domingo, 6 de setembro de 2009

A possível Revolução Energética

Pessoal vou começar esse capítulo sobre energias renováveis com esses artigos escritos por Antonio Martins e publicados no jornal "Le monde diplomatique" ele fala sobre um relatório que o Greenpeace fez sobre energias alternativas e que a mídia não comentou nada. É um relatório muito significativo que mostra como podemos ser independentes energeticamente e acabar com o monopólio das centrais energéticas. Já temos tecnologia disponível para isso, com o empo eu vou postando aqui as novidades com relação ao assunto.


Num relatório alternativo sobre mudança climática, o Greenpeace propõe mobilização mundial para salvar o planeta. E demonstra, com base num amplo estudo científico: as soluções técnicas para a sustentabilidade já existem, e conduzem a lógicas e paradigmas pós-capitalistas
Artigo de Antonio Martins

"Se a vida te der um limão, faz uma caipirinha", sugere um provérbio popular que expressa, gaiato, uma das características da alma brasileira mais valorizadas em todo o mundo: a capacidade de encarar os azares com humor, e de reagir criativamente a eles . Uma gravíssima ameaça ao futuro da Terra e da humanidade pode ser também uma oportunidade para superar as relações sociais que produzem desigualdade, desesperança e devastação. Semana passada, quando o Painel Internacional sobre Mudança Climática (IPCC, em inglês) divulgou seu novo relatório sobre as conseqüências dramáticas do aquecimento do planeta, o Greenpeace acelerou a difusão de um documento alternativo. Tem o nome de [R]evolução Energética.


Não pretende ser um contrapanto ao texto do IPCC, mas um complemento. Rompe a lógica da impotência social. Nos últimos anos, o pensamento conservador passou a ver o aquecimento da atmosfera e suas conseqüências como um fenômeno inevitável — algo semelhante a uma tragédia planetária para a qual caminhamos bovinos, como um rebanho que segue rumo ao matadouro. O Greenpeace quer despertar para o contrário. Não é tarde demais. A humanidade já desenvolveu formas de energia alternativas capazes de assegurar vida digna sem ameaçar a natureza. Para adotá-las, é preciso superar dois obstáculos.
O primeiro é político-ideológico. A idéia segundo a qual as sociedades têm o direito e a capacidade de construir seu futuro tornou-se uma heresia para o pensamento capitalista — que ainda é predominante. A afirmação da vontade coletiva desafia um dos dogmas centrais da ideologia neoliberal: o de que as sociedades devem esquecer o sonho perigoso de planejar seu futuro comum, e entregar seu destino à "mão invisível" do mercado — que assegurará liberdade, riqueza e felicidade.

O segundo obstáculo é econômico. Como se verá adiante, as fontes de energia alternativas não se diferenciam das tradicionais apenas por serem sustentáveis. Em todos os casos, sua produção adapta-se muito mais facilmente a um modelo descentralizado e desconcentrador de produção. A lógica não é mais gerar eletricidade em imensos empreendimentos comandados por corporações jurássicas. Até as pequenas comunidades devem e podem tornar-se autônomas em energia. Para tanto, não é preciso mobilizar enormes volumes de dinheiro. Um sinal de que o capitalismo pode estar sendo superado, também, no terreno em que sempre afirmou sua superioridade: o da "eficiência" produtiva.

Os cinco termos da equação

A força de [R]evolução Energética está na maneira como articula razão com utopia, e rigor científico com mobilização, para mudar políticas e atitudes. O relatório, assinado em conjunto pelo Greenpeace e pelo Conselho Europeu de Energia Renovável (EREC, em inglês) não parte de especulações, mas dos mais avançados dados técnicos disponíveis. As previsões sobre elevação da temperatura terrestre, em função do aumento de emissões de gases do efeito-estufa (especialmente gás carbônico, ou CO2) são as do IPCC
. As projeções sobre a emissão de CO2, caso mantida a atual matriz de fontes energéticas, são da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês). Os estudos sobre possível aumento da eficácia energética e sobre o uso de combustíveis renováveis são do Instituto de Termodinâmica Técinica (DLR), da Agência Espacial da Alemanha.

A partir dos dados fornecidos por estas instituições, monta-se uma equação política cujos termos principais são os seguintes:



1) A temperatura média da Terra vem subindo contínua e progressivamente, desde a Revolução Industrial, devido à emissão de CO2. Ao longo do século 20, a elevação foi de 0,6 grau. Há um consenso científico segundo o qual o planeta pode suportar no máximo um aumento suplementar de 2 graus centígrados, sem que se desencadeie uma espiral de efeitos retro-alimentadores e possíveis catástrofes naturais e humanas .



2) Como o efeito dos gases do efeito-estufa é cumulativo, e eles se mantêm na atmosfera por muito tempo, seria preciso, desde já, reduzir progressivamente sua emissão para evitar que a marca-limite de 2ºC seja alcançada.



3) Estima-se que, em 2030, as emissões deveriam ser 30% inferiores ao patamar atingido em 1990. No entanto, assistimos, nos últimos anos, a um aumento expressivo no consumo de energia e nas emissões de CO2. As projeções do IEA indicam que, mantida a atual proporção entre uso de combustíveis fósseis (80%), nucleares (7%) e renováveis (13%), o ser humano vomitará, em 2050, nada menos de 45,489 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano na atmosfera. Essa perspectiva (chamada no documento do Greenpeace de cenário-referência) implicaria um aumento — catastrófico — de 96,71% em relação às emissões de 2003 (23,124 bilhões de toneladas).

4) O Protocolo de Quioto é, hoje, o único instrumento existente em plano internacional para estimular a redução das emissões. Porém, suas metas ainda são muito tímidas (redução de 5,2% em relação ao patamar de 1990, em 2012) e o mecanismo essencial adotado é débil e contraditório (penalização monetária das emissões de CO2, permitindo-se, porém, a comercialização do "direito" de poluir).

O quinto termo da equação é o decisivo: a vontade política de mudar. O Greenpeace sugere uma meta clara para estimular a mobilização e facilitar o exame dos progressos alcançados. Ao invés de dobrar as emissões de CO2 até 2050 (a hipótese tétrica do cenário-referência), a humanidade deveria se dispor a reduzi-las pela metade. O vasto leque de medidas capaz de permitir tal vitória está ligado a duas transformações decisivas e complementares:

1) alterar radicalmente a matriz energética, para que, em 2050, as diversas fontes renováveis existentes (solar, eólica, da biomassa, hidrelétrica, geotérmica e oceânica) respondam por cerca de 50% da geração (uma proporção 3,8 vezes maior que a atual);

2) Repensar e modificar profundamente os hábitos de consumo e distribuição de energia, de modo que, sem abrir mão do bem-estar, as sociedades abandonem as posturas de alienação, ignorância e prepotência nas relações com a natureza e consigo mesmas.
No processo, seriam alcançados dois ganhos suplementares: um ligado à justiça social; outro, à cultura de paz. Seria eliminado o recurso à energia nuclear — que não libera gases do efeito-estufa, mas gera enorme risco de acidentes e estimula a produção de armas atômicas. Além disso, dois bilhões de novos usuários teriam acesso aos benefícios da eletricidade. Em 43 anos, surgiria o que o Greenpeace chama de cenário da revolução energética.




Um choque entre dois modelos


A lógica dos combustíveis fósseis está emaranhada com os ideais da modernidade e do mercado. Pela primeira vez, está surgindo uma alternativa real a esse paradigma (A possível Revolução Energética, parte 2)
Antonio Martins

Como obter uma transformação tão radical? E se há condições para fazê-lo, por que insistimos no modelo da devastação? Das 96 páginas de [R]evolução Energéticaemergem duas conclusões cruciais: nas últimas décadas, surgiram condições para alterar o paradigma de produção de energia vigente nos três últimos séculos; essa transição implica mudanças políticas, sociais e culturais de enormes proporções.

O paradigma energético atual é uma das marcas da modernidade. Foi essencial para o surgimento da indústria, para a multiplicação de nossa capacidade de locomoção pelo planeta e para a definição de boa parte de nossos hábitos atuais de consumo. Ao mesmo tempo, permitiu uma expansão extraordinária das relações sociais capitalistas. Curiosamente, boa parte de seus elementos foi copiada com entusiasmo pelas experiências do chamado "socialismo real"...

Este padrão baseia-se em ao menos seis princípios centrais, todos muito relacionados e interdependentes entre si.
1) Apoiou-se no uso energético, em larga escala, dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás);
2) Floresceu numa época em que se cultivava uma visão antropocêntrica do mundo, para a qual a natureza era, em essência, um "recurso" a ser explorado incessantemente pelo ser humano.
3) Tirou proveito um padrão de consumo individualista, que considerava legítimo adquirir qualquer bem (um super-iate, um automóvel 4x4), bastando ter recursos para tanto.
4) Adotou a concentração produtiva: as jazidas de carvão, petróleo e gás estão presentes apenas em alguns pontos do planeta, e para explorá-las são necessários grandes obras e vastos capitais.
5) Estimulou a competição empresarial: os combustíveis eram abundantes, a concorrência entre as empresas era benéfica ao consumidor, pois tendia a oferecer preços mais baixos.
6) Praticou o descaso com a justiça social: enxergou a eletricidade e transporte como mercadorias (às quais tem acesso quem tem poder de compra) e não direitos (que devem ser assegurados a todos, independentemente de capacidade financeira).
A partir de meados do século passado, começou a ficar claro que este paradigma era ambiental e socialmente insustentável. Como destacou o último relatório do IPCC, esse modelo divide a humanidade. Uma pequena parcela tem acesso a um padrão ilusório (e cada vez mais extravagante) de conforto e luxo. A maioria é estimulada a se aproximar do estilo de vida e consumo dos primeiros, mas é cada vez mais atingida pelas conseqüências do modelo. O grande mérito dos movimentos ambientalistas e contraculturais foi argumentar que, nessas bases, a igualdade é, além de impossível, indesejável. Quando cada habitante viver e provocar emissões de CO2 semelhantes às do mundo rico, estaremos num planeta morto. Aliás, o descuidado e devastação da natureza no antigo bloco soviético foi ainda mais brutal que no ocidente.

Sementes visíveis de outro futuro

[R]evolução Energética revela algo novo e curioso, tanto do ponto de vista da energia quanto da transformação social. Ao se espraiar entre as sociedades, a contestação ao velho paradigma gerou elementos de um modelo novo. A alternativa não é apenas hipotética ou retórica. Rapidamente, estão surgindo e se multiplicando idéias, iniciativas e tecnologias que invertem, um a um, os princícipos do modelo anterior e tornam possível um mundo de energia limpa.

Dois capítulos do relatório do Greenpeace são dedicados, aliás, à descrição das novas fontes energéticas e aos passos (tecnológicos e políticos) que é preciso dar para que elas substituam os combustíveis fósseis. Em geração eólica, por exemplo, houve avanços no desenho das turbinas, na variedade das usinas (de pequenos cataventos, para suprir comunidades isoladas a verdadeiras usinas de vento, localizadas no oceano, capazes de abastecer grandes cidades) e na difusão da fonte (na Dinamarca, Alemanha e Espanha, os ventos já são parte não-desprezível da matriz energética; em todo o mundo, o volume energético gerado vem crescendo a taxas de mais de 10% ao ano). Outra fonte onde há enormes avanços é a solar. Já não se trata apenas dos coletores térmicos para aquecer a água de residências. Há duas vertentes muito promissoras: as células fotovoltaicas (que permitem gerar eletricidade a partir da luz) e as usinas de concentração solar (nas quais espelhos ou parabólicas captam a radiação e a direcionam para pontos onde, por meio de altíssimas temperaturas, produz-se vapor que move turbinas).

Há novidades nas usinas hidrelétricas, já responsáveis por 20% da eletricidade gerada no planeta. Para evitar a construção de enormes represas, que inundam territórios, destróem ecossistemas e deslocam populações, estão surgindo tecnologias "do fluxo do rio", que dispensam ou reduzem significativamente a necessidade de armazenamento de água.
Biomassa: uma fonte importante, mas não única


O Greenpeace também não despreza a biomassa. Embora sua queima (em motores automotivos ou na geração de eletricidade) desprenda gás carbônico, esse efeito é compensado, às vezes com sobras, pela fotossíntese das plantas que mais tarde serão usadas para produzir combustível. Uma ampla variedade de fontes e métodos está sendo pesquisada: a produção de álcool, a gasificação (e posterior queima) da matéria orgânica e a geração de energia por meio de fermentação. Aqui, a questão a enfrentar não é a qualidade da energia (incomparavelmente mais limpa que a fóssil), mas o sentido social e ambiental das políticas que serão adotadas para produzi-la. Não é necessário devastar florestas para originar biomassa: há enormes áreas cultiváveis ociosas. Ao invés de se estimular o cultivo em latifúndios (como no caso do álcool automotivo brasileiro), pode-se perfeitamente estimular a agricultura familiar (como se faz, também no Brasil, com o biodiesel).
Uma característica essencial das energias limpas é a diversidade. Em vez de apostar todas as fichas nos fósseis, o novo padrão está em busca permanente de novas fontes. O relatório do Greenpeace cita a oceânica (a ser gerada a partir do choque das ondas com captadores sólidos) e a geotérmica (produzida a partir de gêisers e talvez, no futuro, de vulcões). No cenário da revolução, vislumbrado pelo documento, as fontes renováveis responderão, em 2050, por 69,3% da eletricidade consumida no planeta. Irão se destacar a energia eólica (23,1%), solar (18,64%, sendo 9,48% térmica e 9,16% fotovoltaica), hidrelétrica (15,22%) e da biomassa (9,51%). Contribuirão de algum modo a marítima (0,5%) e geotérmica (2,3%). As fontes sujas responderão por 30,7% da eletricidade.


Como energia também significa aquecimento e transporte, o peso dos combustíveis fósseis na matriz energética geral ainda será importante: 50,24% (contra 80% hoje). Abolida a energia nuclear, as fontes limpas responderão, em 2050, por 49,76% do total. O gás natural (22,05%) superará o petróleo, em esgotamento (20,6%, contra 33,8% atuais). Nesse cômputo mais amplo, a biomassa adquire grande relevância. O relatório prevê que ela será, isoladamente, a principal supridora das necessidades de energia do planeta, respondendo por 24,9% do consumo primário.

Um comentário: